sábado, 12 de fevereiro de 2011

Mal(dito) de Alzheimer


Ele ainda é meu amor maior. Mesmo depois de todas as coisas ruins que ele me fez e a mamãe, eu ainda o amo. Amo ainda mais porque agora que eu aprendi o que é amar o próximo, ter compaixão, perdoar e cuidar de quem cuidou de mim primeiro.
Fui mimada por ele, nem abria a boca e ele me dava o que meu coração e consumismo queria... tudo mesmo. Ele não mediu nenhum esforços para não me faltar nada e me encher de regalias. A caçula neh... A rapa do tacho! Ai que maravilha ser a novinha e mimada.
Quando ele saia de madrugada para trabalhar e eu acordava sem ele em casa parecia que uma parte de mim havia morrido. Eu pegava sua camisa listrada de marrom, vermelho e preto e usava dia e noite até sua volta. Sentia seu cheiro na camisa. Quando ele estava em casa e eu entrava no meio dele e da mamãe para dormir, eu me enfiava embaixo de suas costas e ele quase caindo da cama, adormeciamos.
Ele era muito barulhento. Quando acordava nem eu nem mamãe dormiamos. Batia porta do quarto, arrastava o chinelo, ligava a Tevê... nossa que raiva que dava. Hoje sinto falta disso.
Morria de ciumes de qualquer pessoa que chegasse perto dele. Brincava de colocar tic-tacs, chuchinhas e presilhinhas em seu cabelo. Ele nunca permitiu maquiagens, mas quando dormia eu achava minha brecha! Há... não me escapava.
Me lembro de quando ele operou da próstata e quando foi se sentar eu tirei a cadeira e ele sentou de bunda no chão. Tenho remorso até hoje, imagina se ele piorasse? Nem quero pensar nessa possibilidade!
Uma única vez brincamos de lutinha, adorei dar socos na sua barriga grande.
Me vesti com sua jaqueta de couro preta, seu chapeuzinho marrom, sua calça jeans e seu sapatinho gracioso, com um pedaço de papel na boca e as mãos no bolso tiraram uma foto minha. Lembro que queria muito uma boneca da Eliana, aquelas que tinham lançado que era grande e andava. Ele me deu. Quando ia homens na escola vendendo alguma coisa que me interessava, pedia a papai e mamãe e eles me dava. Tenho até hoje a coleção dos livros do Pooh e quatro esqueletos de papel.
Todos os dias ele me dava R$2,00 para lanchar na escola. E quando ele me buscava com sua camionete vermelha... era demais. Pegava em sua mão e iamos para a camionete, chegava mais cedo em casa e ficava toda feliz! Criança!
Adorava ir no 'Rio Grande' com ele e mamãe.
Puxei pra ele. Gênio forte... cabeça dura e teimoooosa. A cara do papai. A garotinha do papai! Quando estava na terceira série, eu não sei da onde tirei essa história, ficava na minha cabeça, algo me falando que quando chegasse em casa meus pais estariam mortos, um do lado do outro na cama e eu fazia muita birra para ir para a escola. Mamãe (acho) achava que era frescura, sei lá. Uma vez fingi desmaiar para ir embora da escola. Mamãe até hoje não sabe o motivo de tudo aquilo, só vocês. Segredo tá? ;)
Chegou os maus dias e papai e mamãe se separaram. Foi o pior dia, o dia que papai saiu de casa. Não veria mais ele palitando os dentes no sofá com o controle na mão, não iria para o portão apertada entre a parede e a camionete. Não o veria todos os dias. Ai que saudade.
O primeiro dia que nos vimos fomos ao shopping. Ganhei uma bota, uma rasteirinha, chocolate e PIZZA! Nossa descendência não nega massas! Italiano. Pena que não herdamos os olhos claros! ;(
Todos os domingos, desde então, passaria com papai.
Comecei treinar boxe entao o via mais vezes na semana porque ele me levava e me buscava na academia.
Mamãe e eu trabalhavamos na feira, e ela não tinha carta. Nosso vizinho começou dirigir para nós, chegou um tempo que ele parou e meu irmão foi nos dar uma força... numa bela madrugada quando meu irmão ia tirar a pirua da garagem os policiais recolheram a pirua. Essa foi uma de outras que papai aprontou. Sem mágoas.
Esses anos se passaram tão rápido... Que saudade.
Esses tempos papai veio ficando bem velho.
Minha tia morreu com Alzheimer. Ela chegou ao ponto de ser criança, fazia birra para tomar remédios, usava fraldas. Não digo para envergonhar. Digo para tirar a dor de mim e pessoas aprenderem com minha esperiência.
Papai, espero que ele não fique assim. Mas ele foi diagnosticado com Mal de Alzheimer. Triste demais. Ele se esquecerá de tudo o que vivemos, se esquecerá que sou sua filha... sua rapinha do tacho, sua garotinha mimada. Agora quem tem que cuidar dele sou eu, e não mais ele de mim.
Sabia que um dia o perderia, mas não pensei que fosse ser tão rápido e achamos que nunca vamos perder a pesssoa que amamos até perde-las realmente.
Uma vez fui na casa de uma grande amiga e o vovô dela estava lá, com esse mal(dito) também e ele pegou nas minhas mãos e me olhou profundamente. Nunca me esquecerei disso, mexeu muito comigo e sinto saudades dele mesmo não o conhecendo, somente ele me vendo com aqueles olhos azuis pedindo "ME SALVE". Meses depois soube que havia falecido. Fiquei triste. Mas sei que a tristeza maior está por vir. A perca de papai... minha vida.
Mas a vida é assim e espero encontrá-lo no céu com Deus, Jesus, os profetas, os anjos e nada de ruim presente entre nós!
E lá será bem melhor!!!
ENTÃO MAL(DITO) DE ALZHEIMER, VOCÊ NÃO PODE SEPARAR UM GRANDE AMOR E NEM MEU PAPAI DE MIM. xP
PARA SABER MAIS: www.alzheimermed.com.br

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