sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um velho companheiro


Tinha 20 anos quando o conheci. Tinha acabado de perder minha família num acidente. Eles fora fazer uma excursão para o litoral e na volta, um caminhão que levava mármores para as casas chiques da praia se chocou com o ônibus. Minha família despencou serra abaixo. Caixões lacrados. Papai, mamãe, tios e tias, primos e primas, vovô e vovó e minha única irmã se foram de uma vez sem uma despedida. Nos destroços do ônibus que o legista recolheu só restou o filme da máquina. Meus familiares não eram modernos e não se davam bem com máquinas digitais, revelei as fotos e vi o último sorriso de todos. Com certeza sentiria muita falta deles.
Algumas semanas se passaram como se o relógio quisesse aumentar o tempo de minha dor, devagar e mais devagar, resolvi caminhar pela cidade para ver alguns rostos felizes e algumas vitrines quando o vi.
Ele me olhava com a carinha mais bela do mundo! Implorava para mim levá-lo para casa e o tirar daquela mini jaula para correr livremente em um quintal digno para cachorro.
Não me perdoaria nunca se negasse abrir a porta para a felicidade entrar, entrei na loja e comprei meu novo companheiro. Não só levei ele como comprei arranhador, escova de dente, uma cama, um comedouro ajustável, brinquedinhos e tudo que um cachorro tem direito depois de me implorar para levá-lo para casa.
E adiantou eu comprar cama para ele? Não. Ele subiu as escadas com dificuldade, pois era muito pequeno e pulou na minha cama grande e macia, como eu não sei! Talvez foi a ajuda da banqueta que tinha na beira da cama.
Dei a ele o nome de Jasper. Significa riqueza, tesouro e veio do latim. Com certeza ele era minha nova riqueza, meu novo tesoouro de vida. Que me tiraria dessa tristeza e faria meu tempo passar mais rápido e feliz.
Ele foi crescendo e fomos nos conhecendo melhor, quando ele fazia arte eu só olhava para ele e entendia o sermão que queria dar. Nos entendiamos muito bem!
Ele dormia comigo, na minha cama. Onde eu morava era muito frio e seus pêlos aqueciam meus pés. Minha vida não fazia mais sentido sem Jasper. Eu não era casado, não tinha filhos então não havia problemas em minha relação com ele.
Ele corria no quintal e estragava minhas flores do jardim. Tinha que plantar de novo, era feio uma casa com o jardim detonado, mas eu não achava ruim. Jasper me deu uma série de passatempos, o que fazia eu esquecer dos acontecidos.
Anos se passaram e Jasper era mais importante para mim. Vinte anos depois, Jasper estava doente e velho. Fiz de tudo para ele viver mais um pouco. Levei aos melhores veterinários, comprei os melhores remédios e até guardei seu sêmem para quem sabe no futuro dar a alegria a Jasper de filhos. Não adiantou muito... Estavamos na cozinha fazendo meu jantar e ele deitado na sua cama, o que era muito raro, ele adormeceu. Eu contando minha história preferida para ele de quando eu e minha irmã fomos pela primeira vez no parque, sempre citava quando ele estava adormecendo. Desliguei o fogão cheio de fome e olhei para Jasper. Por que não estava respirando?
Aquela noite, com meus 40 anos de idade, perdi outro pedaço de mim. Meu velho companheiro também me deixou.
Só restou as lembranças e saudades. Meu pai me ensinando andar de bicicleta sem rodinhas, a primeira bicicleta que tive, vermelha e preta. Minha mãe me ensinando fritar ovos com bacon para levar para minha irmã na cama. Minha irmã de mãos dadas comigo para atravessar a rua em frente a escola. Meus primos e primas jogando palitinhos quando criança apostando danones de morango e meus tios e tias na mesa do almoço de domingo.
Comigo a vida foi cruel. Vivi muito, até os 98 anos. Como morri? Sozinho!

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